domingo, 6 de novembro de 2011

LUIS SERGUILHA

“A poesia reconstitui-se na língua anterior ao  conhecimento e esculpe as suas sismologias-  tapeçarias no mundo-outro como uma partilha do  desassossego, uma sanguinidade do poema-poeta-  poesia-liberdade na exploração mutual do enigma,  na germinalidade do deserto, na actualização do  silabário elementar da harmonia e da vertigem  fertilizadora-sacralizadora do olhar-perdido-do(no)-  mundo. (Luís Serguilha).”
LUIS SERGUILHA nasceu em Vila Nova de Famalicão, Portugal. Distinguiu-se em várias áreas, tendo atuado como coordenador de uma academia de motricidade-humana, colaborador em pesquisa arqueológica da época castreja, dinamizador de bibliotecas de jardim. Poeta, crítico e ensaísta, suas obras são: O périplo do cacho (1998), O outro (1999), Lorosa´e Boca de sândalo (2001), O externo tatuado da visão  (2002), O murmúrio livre do pássaro (2003), Embarcações (2004), A singradura do capinador (2005), Hangares do vendaval (2007), As processionárias (2008), Roberto Piva e Francisco dos Santos: na sacralidade do deserto, na autofagia idiomática-pictórica, no êxtase místico e na violenta condição humana (2008), KORSO (2010), KOA'E(2011), Khamsin-Morteratsch( 2011) estes cinco últimos em edições brasileiras. Seu livro de prosa - Entre nós - é de 2000, ano em que recebeu o Prêmio de Literatura Poeta Júlio Brandão. Possui textos publicados em diversas revistas de literatura no Brasil, na Espanha e em Portugal. Alguns dos seus textos foram traduzidos para o espanhol, inglês, francês, italiano, alemão e catalão. Participou em vários encontros internacionais de arte e literatura. EXPERIMENTADOR das LEITURAS POÉTICAS-METAMÓRFICAS-LAHARS. É responsável por uma coleção de poesia contemporânea brasileira na Editora Cosmorama e Curador do Encontro Internacional de Literatura e Arte: Portuguesia.

A poesia nômade e profética de Luís Serguilha: uma experiência musical – Ana Maria Ramiro
Há alguns meses, em visita ao centro de arte contemporânea Inhotim, localizado nas proximidades de Belo Horizonte, tive a oportunidade de conhecer o trabalho da artista plástica canadense Janet Cardiff, uma instalação muito interessante chamada “40 Part Motet” que consiste numa sala onde 40 colunas-caixas de som, dispostas de forma circular, reproduzem uma peça musical barroca para coro, Spem in Alium (século XVI), do compositor Thomas Tallis. Cada voz foi gravada individualmente e depois agrupada em oito grupos compostos por quatro vozes masculinas (baixo, barítono, alto e tenor) e uma voz infantil (soprano). Tem-se, ao ouvir cada uma das vozes individualmente, a percepção do efeito sonoro total, criando inclusive uma nova geografia do espaço ao instituir a necessidade de deslocamento, de seguir cada voz que inicia o seu canto personalíssimo, num tom único em relação ao grupo. Além disso, como a peça volta a ser executada minutos depois de seu término, o tempo (ou a ausência dele) passa a ser um elemento significativo, uma vez que marca um ritmo em loop, o que possibilita uma alteração na percepção habitual do espectador-ouvinte acostumado ao tempo mundano (cronológico), gerando um impacto físico, visual e intelectual muito forte.
Nesse momento, imaginei (confesso) o quanto a arte poética perdia em relação às artes visuais, já que aquela opera num campo bidimensional e por mais que se apregoe as possibilidades da folha em branco, é raro encontrar um poeta que as explore com o gênio necessário para superar as próprias limitações do meio. Ainda mais restrito e limitado é o alcance de uma análise que venha a se debruçar sobre a obra deste ou daquele poeta, mas aqui devo me arriscar, pois comecei falando da sound-art de Janet Cardiff para chegar na poesia de Luís Serguilha, poeta português nascido na região do Porto, em Vila Nova de Famalicão, e cuja obra prolífica guarda linhas de contato com a instalação da artista canadense.
Recentemente, recebi cinco livros de Luís Serguilha: Lorosa´e – boca de sândalo (2001), O externo tatuado da visão (2002), O murmúrio livre do pássaro (2003), A singradura do capinador (2005) e Hangares do vendaval (2007). Da leitura atenta dos livros, reconheci imediatamente algumas sensações e idéias desenvolvidas frente à instalação de Janet Cardiff, em Inhotim. A poesia de Serguilha, com seus temas elementais, distribuída em versos heterométricos entremeados por vazios lacunares, invoca para além de meras alegorias um espaço original, intemporal que se desenvolve por meio da própria leitura. Ao leitor é dado o impulso para um deslocamento nômade ao longo dos versos, que se desdobram num processo autógeno, um verso repercutindo o próximo como numa ampla sala de espelhos. As palavras, por sua vez, apresentam uma concretude que as desnuda de simbolismos usuais e particulares (já desgastados), mostrando-as em toda sua plenitude semântica: são bocas, rochas, florestas, pátrias, estações, cornucópias, que apresentam a força inerente a uma fala mântrica. Nesse contexto, a poesia de Serguilha equipara-se à linguagem profética, uma vez que retira o presente e se volta para fora (devir) ao instituir uma fala errante e interminável que se opõe a toda estabilidade e todo repouso, recusando a tentação de um mundo estático e fechado.
O murmúrio livre do pássaro e A singradura do capinador já denotam a partir de seus títulos o anseio por esse movimento constante, a busca por “um espaço sem lugar e um tempo sem engendramento”, como menciona Maurice Blanchot em ensaio sobre a palavra profética. Para Blanchot, esse espaço p(r)o(f)ético seria ainda equiparado ao deserto, onde se “pode apenas errar, e o tempo que passa nada deixa atrás de si, é um tempo sem passado, sem presente, onde o homem nunca está, mas está sempre fora”, e completa: “Língua de transporte e de arrebatamento. Algo aqui se desenvolve na violência abrupta, dilacerante, exaltante e monótona de um perpétuo recurso impetrado pelo homem nos confins do seu poder”. Mas se o contexto original do discurso profético surge em relação a uma “aliança” e uma “terra prometida” que libertariam o indivíduo de sua condição anterior (de opressão), no texto de Serguilha o caráter nômade decorre da própria escritura, de sua estrutura fluida, labiríntica, operando um pacto com o leitor e liberando-o do jugo da rigidez formal.
Num mundo esvaziado de sentido, a poesia de Serguilha encontra esteio sobretudo na força imanente de cada palavra. Em Lorosa´e – boca de sândalo, a palavra “maubere”, que representa tanto o povo adventício quanto a língua falada em Timor, será empregada em anáfora ao longo do texto como forma de lhe dar um uso simbólico e dotá-lo de força. Não se está tentando criar aí uma história, o ritmo empregado não alude ao tempo cronológico, mas ao cíclico, o das estações, o tempo da respiração e da natureza das coisas. Com isso, o poeta retoma o tempo mítico (uma proto-história), buscando no caldeirão fumegante das origens (“No labor desconhecido dos oleandros a alquimia dos guerreiros/ outros albúmens/ e/ o humo das amoras graciosamente na volátil origem”) a força daquilo que ainda será gerado, o que está por vir.
Desta forma, percorrer o caminho traçado por Serguilha (e Janet Cardiff, por extensão) significa desabituar os sentidos, procurar o insondável, o impossível, assim como o capinador que singra mares (de palavras), é perseguir uma dissonância intrínseca a cada verso (a cada voz), especialmente em Hangares do vendaval, pelo uso de letras em caixa-alta e fontes de tamanhos diversos sinalizando graficamente uma alteração na força sonora imaginada para algumas palavras e sintagmas, é aceitar o pacto e perder-se em labirintos barrocos e, sobretudo, dar movimento às roldanas libertando o vendaval de seus hangares.
Fonte: http://luisserguilha.wordpress.com/critica-8/

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