terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

LITERATURA CHINESA

Introdução
Existem duas tradições na literatura da china: a literária e a popular ou coloquial. A última remonta a mais de mil anos antes da era cristã e permanece até nossos dias. No princípio consistia em poesia mais tarde em teatro e romance, e depois foi incorporando obras históricas, relatos populares e contos. Os intelectuais da classe oficial que ditavam os gostos literários, não a creditavam digna de estudos por a considerarem inferior, sendo que, até o século XX, este tipo de literatura não obteve o reconhecimento da classe intelectual. Seu estilo brilhante e refinado marca os princípios da tradição literária ortodoxa, que começou há 2.000 anos.
Época Clássica
A época clássica é correspondente a da literatura grega e romana. As etapas de formação tiveram lugar do século VI ao IV a.C. nos períodos da dinastia Chou (c. 1027-256 a.C.). Desta época são as obras de Confúcio, Mencio, Laozi (Lao-tsé), Zhuangzi e outros grandes filósofos chineses. Culminou com a recopilação dos chamados cinco clássicos, ou clássicos confucianos, além de outros tratados filosóficos.

A obra poética mais importante do período clássico foi o Shijing (Livro das odes ou Clássico da poesia), antologia de poemas compostos em sua maioria entre séculos X e VII a.C. A lenda diz que foi o próprio Confúcio quem seleccionou e editou os 305 poemas que formam a obra. Trata-se de poemas simples e realistas da vida camponesa e cortesã.

O estilo aristocrático ou cortesão alcança sua máxima expressão com os poemas de Chu, estado feudal ao sul da China central que foi a terra de Qu Yuan, primeiro grande poeta chinês.

Durante a dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.) as tendências realista e romântica: deram lugar à escolas poéticas. Os versos de Chu foram o começo de um novo gênero literário, o fu, o poema em prosa. Mais tarde, a poesia se enriqueceu com canções populares reunidas por Yüeh-fu, no século II a.C.

Os primeiros trabalhos em prosa formam, junto com o Shijing, os cinco clássicos. São o I Ching (Anais do Chin), livro de adivinhacões; o Shujing (Livro dos documentos), um conjunto de antigos documentos de Estado; o Liji (Memória sobre os ritos), coleção de códigos governamentais e rituais, e o Chunqiu (Anis da primavera), a história do estado de Lu desde 722 até 481 a.C. Do século VI até o III a.C. foram escritas as primeiras grandes obras da filosofia chinesa, como os Analectas de Confucio, aforismos recompilados por seus discípulos; os eloqüentes debates de Mencio, discípulo de Confúcio; o Doodejing (Clássico da forma e sua virtude), atribuído a Lao Tse, fundador do taoísmo, e os ensaios de Zhuangzi, o outro grande filósofo taoísta. Também são importantes os ensaios de Mozi, Xunzi e Han Fei Zi. Sima Qian escreveu o Shiji (Memórias históricas), história da China até a dinastia Han. Os discípulos de Confúcio criaram, as bases da tradição literária da prosa chinesa, adotando uma linguagem literária própria, diferente da linguagem falada.
Época Medieval
Do século III ao século VII d.C., a China estava dividida em estados rivais, porém com a difusão do budismo vindo da Índia e a invenção de um tipo de imprensa viveu um dos períodos mais brilhantes da história de sua literatura.

Durante os períodos de agitação política, poetas encontraram refúgio e consolo no campo. Alguns eram ermitãos e criaram uma escola de poesia a que chamaram Campo e jardim. Outros escreveram os melhores poemas populares chineses, como os de amor atribuídos a poetisa Tzu-yeh. O melhor poeta destes séculos turbulentos foi Tao Qian, também conhecido por Tao Yuanming, que cantava as alegrias da natureza e da vida solitária.

A melhor poesia chinesa foi escrita durante a dinastia Tang (617-907), da qual se conservam mais de 49.000 poemas escritos por 2.200 poetas. Os três poetas mais famosos foram Wang Wei, filósofo e pintor; Li Po, líder taoísta da escola romântica, e seu amigo e rival Tu Fu, meticuloso em seus esforços para conseguir um realismo preciosista, cuja obra influenciou o poeta Po Chu-i, que utilizava a poesia como um meio para a crítica e a sátira.

Durante a dinastia Song (960-1279), Su Tung-po foi o melhor poeta chinês de tsu (estilo poético que fixa o número de versos e seu comprimento segundo o tom e o ritmo). A poetisa chinesa Li Qingzhao alcançou grande popularidade por seus versos tsu sobre sua viudedad. Han Yu, mestre da prosa Tang, exigia a volta da escrita direta e simples do estilo clássico.

A tradição literária prlongou-se na dinastia Song com Ouyang Xiu, mais conhecido por suas maravilhosas descrições de paisagem. Os engenhosos ensaios de Su Xun são os melhores do estilo clássico.

O teatro propriamente dito não se desenvolveu até o final do período medieval. Na época Tang, os atores já ocupavam um lugar importante entre os artistas populares e se agrupavam em companhias profissionais, que atuavam em teatros construídos para receber milhares de pessoas.

Época Moderna

A época moderna começa no século XIII e chega até nossos dias.

No século XIV, a narrativa popular chinesa foi cada vez mais importante. Dois dos primeiros romances desta época, Sanguozhi Yanyi (Histórias romanceadas dos reinos) e Shuihuzhuan (À beira d'água), podem ser considerados a épica em prosa do povo chinês. Cao Xueqin escreveu o romance realista Hongloumeng (Sonho do quarto vermelha).

No século XVII, apareceram numerosas coleções de breves histórias. A mais popular é Jinguqiguan (Contos maravilhosos do passado e do presente), composto de 40 histórias.

No século XX, influenciados pela literatura ocidental, os escritores chineses, guiados por Hu Shi, começaram uma revolução literária conhecida como o renascimento chinês. Intencionavam utilizar a linguagem coloquial com fins literários. Com ensaios e histórias mordazes atacavam a sociedade tradicional, e escritores como Lu Xun (pseudônimo de Zhou Shuren) ajudaram ao avanço da revolução socialista.

Durante os anos da Revolução Cultural (1966-1978) os artistas e escritores se adaptaram as necessidades do povo e a influência burguesa ocidental foi atacada duramente. Desde então tem se permitido uma maior liberdade de expressão, tolerando-se o renovado interesse pelas idéias e as formas ocidentais.

O que pode ser a Literatura Chinesa? - por André Bueno

Em algumas ocasiões de nossa vida, somos atraídos ou tentados a estudar um determinado assunto pelo puro prazer de conhecer. Creio que nisso não há nada de pragmático; na verdade, acho que estou longe de seguir uma única perspectiva teórico-metodológica, embora tenha minhas próprias linhas de direcionamento. No entanto, sei também que meus interesses diversos são um pavor para os mais ortodoxos e conservadores. Não quero ser eclético, mas tenho augerisa a ser restrito. No mais, o que escrevo será sempre de responsabilidade minha mesmo....então, melhor que leiam aqueles que os gostam.

Voltando então aos assuntos diversos...recentemente, fui atraído por duas questões diferentes; uma é a linguagem dos quadrinhos, ao qual já abordei brevemente no outro artigo "
Um pouco de (BOA) Filosofia Chinesa em Quadrinhos"; o outro é sobre o conceito de Literatura, a esfínge absoluta dos estudos literários. Como isso começou? Bem, já de cara indicaria a leitura do excelente "O Demônio da Teoria", de Antoine Compagnon, para indicar como surgiu este interesse particular. A questão é que as teorias nos servem para ler a realidade de uma certa forma; no entanto, o que deveria ser a base para nos aprofundarmos no mesmo real serve, em dado momento, de prisão para nossa capacidade de raciocinar e de se desdobrar. Esta constatação pós moderna não é absolutamente nova, mas vem a ser oportuna, atualmente, em função do estado em que se encontra a academia. Velhas escolas, preceitos antigos, preconceitos aparentemente superados, todo um escombro de história vem sendo retomado como linha teórica, justificando posturas arcaicas e neo-conservadoras (que paradoxo, este termo!). Este se trata apenas do primeiro ponto que tangencia a questão "o que é literatura?".

As discussões ocidentais sobre o tema já são demasiado extensas para dar qualquer resposta que não seja engajada em um determinado ponto de vista. Dito isso, o que significa uma "Literatura chinesa"?

Novamente, o problema se bifurca. Por um lado, não sabemos exatamente como definir que conceito de literatura poderíamos aplicar ao vasto e milenar corpo textual desta civilização; por outro, devemos buscar saber se nela, China, existe algum tipo de conceito que se aproxime disso que (no Ocidente) acabou por tornar-se dificilmente definível! Há aqui uma dessas perigosas armadilhas teóricas e de tradução que nos forçarão, inevitavelmente, a algum tipo de escolha. Eis a razão pela qual eu me entusiasmei pelo tema.

Não posso afirmar, pois, que haja a concepção problemática de literatura na China tal como existe aqui. Isso poderia significar tanto uma fraqueza - uma espécie de pobreza intelectual nesta área por parte deles - quanto um sucesso, visto a durabilidade de suas formas próprias de estudo dos textos. Deste modo, creio que somos levados a investigar o que os chineses criaram eles mesmos acerca da análise textual, e o que pode vir a ser uma "idéia" de literatura. De qualquer maneira, parece ser a única solução possível.

Os chineses tem um termo próprio para designar o estudo textual, chamado de "Wen Xue". Wen é um ideograma que significa tanto "texto" quanto "palavra", talvez algo mais próximo de "escrito". Vem a tratar-se de uma sistemática que envolve dois pontos fundamentais para a sua construção; a análise de forma e de sentido.

Até aqui isso não parece representar nenhuma novidade, exceto por ser a pedra basilar de tudo aquilo que viria a ser o trabalho de "wenxue". Desde de Confúcio, nos sécs. - 6 -5, tudo que é escrito tem (ou ao menos, deveria ter) um determinado sentido social e moral. A forma diz respeito ao veículo; prosa ou poesia? Discurso ou Ensaio? Com rima ou sem? A taxionomia textual tratar-se-á de uma grande enciclopédia de formas, de modelos, de modos de escrita que determinam o que um texto deve ser. Quanto ao seu sentido, ele deve ser decifrado; nenhum texto existe, porém, que não seja a mensagem codificada de um intuito.

Esta tensão, tão característica do pensamento chinês - a oposição complementar, do qual nada escapa - faz com que, inequivocamente, uma idéia de "estilo" se forme na adequação entre forma e sentido. A prosa se torna o veículo apropriado para os textos históricos, por exemplo, tal como a poesia tende a ser um meio de expressão íntima e individual. Estes canones, porém, nasceriam para serem desafiados. E o resultado destas discussões surge na formulação de dois textos fundamentais para a crítica literária chinesa - o Wenfu (Ensaio sobre a escrita) e o Wenxin Diaolong (O Coração da escrita e o cinzel do dragão).

O Wenfu, de Luji (+261 +303), vem a ser um tratado que explica como se deve escrever um texto. Sendo o primeiro a abordar o que poderíamos chamar de "crítica literária", ele se transforma num escrito referencial para a classificação posterior dos gêneros literários, iniciando a estruturação desta área de conhecimento. O Wenfu começa com uma declaração dos propósitos do autor;
Tenho estudado as obras dos escritores de talento e creio que consegui vislumbrar como trabalham suas mentes. Os modos de empregar palavras e formar expressões são, na verdade, de uma variedade infinita, e por isso mesmo, devem ser analisados nos diversos níveis de beleza e de êxito que alcançaram.
Logo depois, Luji começa a descrever os passos de uma meditação necessária a visualização do objeto de escrita. O autor deve invocar uma forma, deixar-se levar por ela e após, tentar apreendê-la em palavras. Esta é a busca do sentido; em outro trecho deste pequeníssimo texto, Luji passa, entao, a descrever as Formas dos textos, elaborando uma lista sucinta que evoca suas características gerais, tais como "A Lírica (shi) nasce da emocao pura, é um tecido sutil trançado na mais finas das telas; o ensaio descritivo (fu), fiel aos objetos, deve ser a sua mais verdadeira encarnação; nas inscrições monumentais (pei), o discurso deve ser a cobertura dos fatos, etc..."

No fim, Luji comenta sobre o que deveria ser a função de "Wenxue";
A literatura tem por função comunicar a verdade, expandir os horizontes até o infinito e servir como uma ponte para cruzar mil anos. Cria os modelos a serem seguidos para posteridade, e se inspira nos antigos para tal.
Algumas considerações devem ser tecidas ao texto de Luji. Em primeiro lugar, sua percepção do que é "literatura" remete-se ao ideal confucionista de captar e reproduzir uma "realidade". Mas qual é esta realidade, se a obra é uma criação do autor? Qual o limite - se é que existe - entre o ficcional e o constatável? O próprio Wenfu torna-se, assim, uma dessas obras chinesas cuja dicotomia latente da oposição complementar mais complica do que resolve a questão (se é que isso é possível). Ele delimita quais são os tipos de textos literários, engessando sua classificação - doravante, muitos quereriam destacar-se em um desses gêneros. No entanto, não é esta mesma classificação que permite criar algo novo? A partir dela, um autor brilhante sabe simplesmente o que deve burlar, ou mesclar, para produzir uma obra inédita. O Cânone torna-se, paradoxalmente, a referência mais segura para alguém inovar e ousar.

Processo semelhante encontra-se no Wenxin Dialong, de Liuxie (morto em +522), cuja estrutura do texto formaliza-se diretamente na classificação do gênero. Cada capítulo do livro corresponde a um Dao (Via) da escrita, que articulam o binômio forma-sentido. Vejamos a organização de seu livro;

1. 騷 sao Poesia elegíaca
2. 詩 shi poesía lírica
3. 樂府 yuefu música
4. 賦 fu Rapsódia
5. 頌 song Odes
6. 贊 zan Pronunciamento
7. 祝 zhu Orações sacrificial
8. 盟 meng Voto
9. 銘 ming Inscrições
10. 箴 zhen Exortações
11. 誄 lei Elegias
12. 碑 bei Epitáfios
13. 哀 ai Lamentos
14. 吊 diao Condolências
15. 雜文 zawen Misceláneas
16. 諧 xie Comédias
17. 隱 yin Enigmas
18. 史傳 shizhuan Escritos históricos
19. 諸子 zhuzi Especulações dos mestres
20. 論 lun Dissertações
21. 說 shuo Colóquio
22. 詔 zhao Édito
23. 策 ce Escritos
24. 檄 xi Proclamações de guerra
e assim segue....

Liuxie chega, inclusive, a explicitar que a forma é o fluxo vital do escrito (Qi), e o seu sentido, a personalidade do autor (shen, a “alma”). Na introdução de seu livro, Liu coloca que:
Quando surge a emoção e lhe é dada forma em palavras, quando a razão intervem e se materializa o escrito, então o que estava oculto se manifesta, e uma origem interna terá sua correspondecia externa. A emoção é o fio da literatura, e a dicção é a trama da razão. Somente quando o fio está reto, tece-se bem a trama; somente quando a razão é sólida, a dicção será fluida. Este é o fundamento básico da escrita.
Liu repete o procedimento básico de Luji, tentando analisar como se dá a construção das formas textuais. Mas isso bastaria para explicar a visão chinesa de literatura? Na verdade, todas as tentativas de classificá-la são um cerceamento inútil, que dá base ao novo. Tais formatos simplesmente dão origem à novos, a mesclas criativas, a gêneros propositadamente imaginativos. E, no entanto, estes mesmos textos continuam sendo a referência que deve ser contrariada! Que civilização no mundo sacraliza aquilo que deve ser negado, e o afirma justamente por causa disso? Somente o pensamento chinês pode suportar esta condição.

Por causa disso, durante a Dinastia Tang - um dos ápices da poesia chinesa - a crítica literária permite surgir um livro chamado "Os estilos da poesia" (Shipin), de Sikong Tu (+834 +908), que se destina - mais uma vez - a tentar classificar algo dentro do sistema forma-sentido, neste caso, a poesia. Uma característica deste ensaio é seu texto sucinto, mas todo escrito em formato poético, como neste exemplo:
O estilo Transcendente

Este não é um trabalho espiritual
Este não é um enigma da natureza
Este não é o caminho das nuvens brancas
retornando com o vento puro

Fique de longe do que aparenta ser
Mas mude quando você se aproximar
Quando você sentir o gosto do Dao
Então, será diferente de todo o resto

O que o autor quer dizer com isso? Que uma experiência transcendente dá sentido a este estilo? E como classificar um texto nesta categoria, sem se ter uma experiência transcendente? Ou o texto pode levar alguém a experiência transcendente?...

Algumas outras coletâneas de conselhos surgiriam, ao longo dos séculos, tentando articular a re-interpretar este problema. A literatura ganha, de qualquer modo, seu caráter dinâmico - mesmo estando presa a uma forma antiga de intepretação. Esta condição parece ser única no mundo - ou, ao menos, dá a singularidade necessária ao caso chinês. Afinal, ao longo dos séculos 15-18, os chineses não veriam surgir os romances, os livros eróticos, as ficções e mesmo o teatro escrito? O demônio da teoria vira tradição; tanto inspira quanto aprisiona, mas nunca cessa de evoluir, mesmo que num sentido muito próprio.

O advento da República em 1911 tornou claro que o "Wenxue" precisava mudar, renovar-se diante da presença dos saberes ocidentais. Luxun, famoso escritor chinês deste turbulento período de transição, já havia denunciado o arcaísmo dos estilos e das grafias. Até mesmo o uso dos ideogramas antigos afastava as massas chinesas da literatura, e era preciso, por isso, mudar as formas de escrita novamente. Será que Luxun escapava, mesmo assim, ao eterno diatribe da evolução literária chinesa?
Capa de "Experiência da Criação", de Luxun (1933)

Pouco tempo depois, a chegada do comunismo determina um mudança nos temas, na prática literária, defendendo uma nova interpretação da literatura. Lu Kanru (“Breve História da Literatura clássica chinesa”, 1986) escreve em seu ensaio introdutório sobre a história da literatura chinesa:
A literatura é a forma de arte que reflete a vida através de imagens verbais. Um autor, nos seus escritos, apresenta inevitavelmente o seu ponto de vista sobre a vida e o mundo que o rodeia; os escritos bons encorajam-nos a avançar, enquanto os maus atrasam-nos. Este é o significado social da literatura. A longa e gloriosa história da China vangloria-se de muitos escritores que foram pioneiros do domínio das idéias, que além de ferirem profundamente o sentimento dos leitores, têm um profundo alcance educacional. Alguns deles obtiveram fama universal, embora a literatura realista socialista da Nova China se desenvolva fora desta herança do passado. É simultaneamente recompensador e necessário olhar para a história desta multisecular literatura, para que possamos mais facilmente compreender a tarefa dos escritores do passado, o desenvolvimento gradual da tradição literária chinesa e em que medida foi influenciada pela vida e pelos problemas do seu tempo. Isto ajudar-nos-á a vislumbrar como durante milhares de anos o povo lutou por uma vida melhor, e a parte positiva desta herança que foi deixada aos seus descendentes pode servir de suporte ao trabalho atual.
Há que se perguntar o quanto isso é diferente do que Confúcio propunha, senão, pelo fato de estar travestido de um comunismo maoísta. Dizem que Confúcio recolheu as poesias do Shijing para mostrar ao mundo as angústias e sentimentos do povo; de que modo os autores da China moderna parecem absolutamente distantes disso? Lu Kanru invoca o passado para justificar tudo o que faz – na China isso é absolutamente inevitável.

Aqui, pois, a literatura chinesa - ou Wenxue, se o termo se presta a isso - dá um volta em si mesma, fecha-se, e torna quase inoperante nossa busca. Resta-nos, talvez, aceitar o que ela vê de si mesma - caminho este consolidado ao longo de séculos, mesmo em suas rupturas e transformações internas. O estudo dos textos será sempre permeado pela tensão, pelo conflito, a busca de uma centralidade que define o que é e o que irá mudar. O que não pudemos decidir sobre o que entendemos ser Literatura vale muito menos, pois, para o caso chinês. E no entanto, não há alguma sabedoria nisso? Disse Su Dongpo;
Os escritores, nos tempos antigos, escreviam, não por haverem decidido que queriam escrever, mas porque não podiam deixar de escrever. Isso é como as nuvens e as flores, que tomam forma naturalmente, em resultado de forças naturais que atuam e se acumulam nelas. Tem que se buscar uma expressão para o que existe nelas.(...) os sábios antigos diziam coisas porque tinham algo que devia ser dito.
Talvez o conceito de literatura precise ser escrito de um tal modo que se transforme NO conceito - se isso for possível. Mas o será?

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