domingo, 26 de fevereiro de 2012

Vasko Popa, nascido em 1922, em Grébenatz, na Sérvia, é um dos mais representativos poetas da lugoslávia. Suas obras estão traduzidas para dezenove idiomas. Surgiu na literatura de seu país nos primeiros anos da década de 50. Depois do interregno marcado pela Segunda Guerra Mundial, seguiu-se um curto período (1945-1950) em que a literatura iugoslava acabou sendo marcada pêlos dogmas do chamado "realismo socialista", subordinando a criação artística a forças externas, e rompendo, de diversos modos, a tradição literária anterior.
O aparecimento das primeiras obras desses três poetas provoca uma polarização clara na literatura em servo-croata, sobretudo na Sérvia: modernismo x tradicionalismo. E Vasko Popa emerge como espécie de antípoda das tradições poéticas de seu país — visto que rompe com os cânones formais —, e através do poetar formula uma nova teoria-práxis, onde coabitam as antinomias fundamentais da existência humana: vida e morte, ser e não-ser, passado e futuro, razão e desrazão, tradição e inovação, mito e história, real e irreal etc. Rompe com os cânones formais, mas mergulha nas tradições, na mitologia pagã eslava, na longa história do país, para retrabalhar muitos dos temas constantes da literatura iugoslava.
Déretitch, em sua História da Literatura Sérvia, aponta a existência de pontos convergentes entre os surrealistas iugoslavos do
conteúdo, seja na forma - estava enclausurada.
Poeta de uma linguagem "descarnada", contida, minimalista por excellence, Vasko Popa parece seguir, à risca, as recomendações de Vladúnir Maiakóvski em seu Como Fazer Versos?, já que elimina todos os sinais gráficos de pontuação, rimas tradicionais e medidas consagradas, empregando o chamado verso livre. Isso, entretanto, não o impede de retomar alguns dos temas mais frequentes da épica (oral) popular, dando-lhes um novo tratamento.
Até agora, são oito os livros publicados pelo poeta: Casca (Ko-ra, 1953); O Campo do Desassossego (Nepocin-Polje, de 1956); Paracéu (Sporedno Nebo, 1968); A Terra Ereta (Uspravna Zemlja, 1972); Sal Lupino (Vucja Só), Carne Viva (Zivo Mesó) e A Casa no Meio do Caminho (Kuca nasred druma), todos de 1975, e Corte (Rez, 1981).
Seu primeiro livro - Casca — revela, de imediato, um poeta preocupado com a forma, com a linguagem "descarnada", com textos concisos, porém ricos no tocante à exploração de todos os recursos que a língua coloca à disposição do artista, e sobretudo, um poeta capaz de poetizar temas antes raramente incorporados à poesia. Exemplos significativos são os ciclos "Recantos" e "Rol", traduzidos na presente coletânea. Já em Campo do Desassossego, Popa incorpora a esse universo temático a ironia construída em pinceladas rápidas e finas. O ciclo "Osso a Osso" integra seu segundo volume de poemas, bem como outros ciclos de títulos sugestivos: "Jogos", "Devolve-me os meus Trapos" e "Quartzo".
Com Paracéu, Popa começa a incorporar a seu repertório alguns temas mitológicos frequentes na literatura em servo-croata, aprimorando sua visão irónica e, ao mesmo tempo, célica da realidade. Mas, será com Sal Lupino que o poeta haverá de dar um verdadeiro mergulho nas tradições e. mitos pagãos eslavos, dando-lhes um tratamento completamente renovado, em que combina, de maneira hábil, a modernização do mito, a destruição prenunciada pelo Futurismo e pelo Dadaísmo e a construção e o lado mágico das coisas, antes representado pelo Expressionismo e pelo Cubismo.
Terra Ereta, por seu turno, representa a retomada do último milénio da história da Sérvia, e simultaneamente das lendas, mitos e arquétipos presentes em toda a literatura oral épica em servo-croata: os monumentos da época da cristianização dos eslavos (marcados por ricos mosteiros medievais em que a tradição da arte bizantina foi retrabalhada pêlos eslavos), o momento trágico da queda do Império da Sérvia (1389) diante da avassaladora onda otomana. São Sava (Rastko Némanhitch, 1175-1235), um dos primeiros grandes escritores da literatura iugoslava, homem de letras, conselheiro da Corte, príncipe (filho do rei Stevan Némanha); a luta contra a ocupação otomana, durante séculos a fio, a unificação das terras iugoslavas, na segunda década deste século, e a reconquista definitiva de Belgrado.
O ciclo denominado O Campo dos Melros, por exemplo, retoma um dos temas mais constantes de toda a literatura em servo-croata (em especial, a épica oral) e cujos heróis (alguns reais, outros fictícios) estão presentes em toda a literatura dos Bálcãs (Marko Králie-vitch, Milosh Obilitch, o cavalo malhado Cháratz, a fada Raviôila, lanko Sibinhánin ou János Hunyadi etc.). O Campo dos Melros é um topónimo (Kóssovo Pólie), local da grande batalha de 28 de junho de 1389, travada entre os Impérios da Sérvia e o Otomano, com o qual finda a expansão do grande império eslavo medieval nos Bálcãs e começa um longo período de dominação turca. O desastre de Kóssovo Pólie passou para a épica popular em versos decassílabos ou versos de 16 ou 17 sílabas — conhecidos como bugdrchtitze. Elas remontam ao século XV. Já no século XVI, Petar Hektórovitch, importante escritor renascentista da Dalmácia, redige longa obra poética, em que aparece menção a Marko Králievitch e à batalha do Campo dos Melros.
Popa retoma o que se pode denominar "sebastianismo iugos-lavo" - a lamentação constante por aquilo que foi e não mais será e por aquilo que poderia ter sido e não foi —, revestindo o tema de nova forma, fazendo, por vezes, lembrar Fernando Pessoa ortônimo e a sua Mensagem (guardadas, evidentemente, as diferenças de estilo e contexto), e em especial o verso do poema "Ulysses": O mytho é o nada que é o tudo.
Em A Casa no Meio do Caminho, Popa toma copio leitmotiv temas mais recentes da história da Jugoslávia, sobretudo referentes às duas Grandes Guerras Mundiais, sempre com extremo cuidado formal. Exemplo claro é o ciclo "Os Olhos de Sútieska", em que poetiza o topónimo (rio) em cujo derredor foram travadas algumas das mais violentas e sangrentas batalhas da Resistência iugoslava, na Segunda Guerra.
Finalmente, em Corte, o poeta mescla poemas metalingüísticos com textos em que evidencia sua preocupação social, política e histórica. Mas, como pano de fundo de seu trabalho de criação, emerge o tempo todo uma rede de juízos metassemióticos, colocando em dúvida a própria legitimidade do código linguístico, como diria Eco.
parte do texto de Aleksandar Jovanovic, para o livro
Osso a Osso de Vasko Popa, lançado em 1989 pela
Perspectiva: Editora da Universidade de São Paulo

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