sábado, 15 de outubro de 2011

Fiódor Dostoiévski

A obra dostoievskiana explora a autodestruição, a humilhação e o assassinato, além de analisar estados patológicos que levam ao suicídio, à loucura e ao homicídio: seus escritos são chamados por isso de "romances de ideias", pela retratação filosófica e atemporal dessas situações. O modernismo literário e várias escolas da teologia e psicologia foram influenciadas por suas ideias.
Dostoiévski logrou atingir certo sucesso com seu primeiro romance, Pobre Gente, que foi imediatamente muito elogiado pelo poeta Aleksandr Nekrassov e por um dos mais importantes críticos da primeira metade do século XIX, Vladimir Belinski. Porém, o escritor não conseguiu repetir o sucesso até o retorno à Sibéria, quando escreveu o semibiográfico Recordações da Casa dos Mortos, sobre a prisão que sofrera. Posteriormente sua fama aumentaria, principalmente graças a Crime e Castigo.
Seu último romance, Os Irmãos Karamazov, foi considerado por Sigmund Freud como o melhor romance já escrito.[6] Perigoso, segundo Stálin, até 1953 o currículo soviético para estudos universitários sobre o escritor o classificava como "expressão da ideologia reacionária burguesa individualista". Segundo ele mesmo, seu mal era uma doença chamada consciência. A obra de Dostoiévski exerce uma grande influência no romance moderno, legando a ele um estilo caótico, desordenado e que apresenta uma realidade alucinada.
Fiódor foi o segundo dos sete filhos nascidos do casamento entre Mikhail Dostoyevski e Maria Fedorovna. A mãe do escritor morreu quando ele ainda era muito jovem, de tuberculose, e o pai, o médico Mikahil Dostoievski, pode ter sido assassinado pelos próprios servos, que o consideravam autoritário. Alguns biógrafos afirmaram que foi quando Dostoievski teve sua primeira crise epilética, fato disputado pelos seus atuais estudiosos, principalmente Joseph Frank.
É aceito hoje por alguns biógrafos, porém sem provas concretas, que o doutor Mikhail Dostoiévski, seu pai, foi assassinado pelos próprios servos de sua propriedade rural em Daravói, indignados com os maus tratos sofridos Tal fato teria exercido enorme influência sobre o futuro do jovem Fiódor, que desejou impetuosamente a morte de seu progenitor e em contrapartida se culpou por isso, fato que motivou Freud a escrever o polêmico artigo Dostoiévski e o Parricídio. Freud é muito criicado por alguns estudiosos por ter escrito seu ensaio baseado em rumores, sem uma pesquisa profunda sobre a vida de Dostoiévski.
Joseph Frank apresenta documentos médicos que atestam que Mikhail Dostoiévski morreu, na verdade, de uma apoplexia, e os boatos em contrário foram propagados para diminuir o preço da propriedade dos Dostoiévski, pela qual um vizinho mostrava interesse.
Início da carreira literária


Na Academia Militar de Engenharia (em russo Военный инженерно-технический университет), em São Petersburgo, Dostoiévski aprendeu matemática e física. Também estudou a obra de Shakespeare, Pascal, Victor Hugo e E.T.A. Hoffmann, já que a faculdade tinha um bom programa de literatura, que focava principalmente a produção francesa. Nesse mesmo ano, escreveu duas peças românticas, Mary Stuart e Boris Godunov, influenciado pelo poeta romântico alemão Friedrich Schiller. Dostoiévski descrevia-se como um "sonhador" em sua juventude e, em seguida, um admirador de Schiller. Em 1843, terminou seus estudos de engenharia e adquiriu a patente de tenente militar, ingressando na Direcção-Geral dos Engenheiros, em São Petersburgo.
Em 1844, Honoré de Balzac visitou São Petersburgo, e Dostoiévski, como uma forma de admiração, fez sua primeira tradução, Eugenia Grandet, e saldou uma dívida de 300 rublos com um agiota. Esta tradução despertou sua vocação, levando-o pouco tempo depois a abandonar o exército para dedicar-se exclusivamente à literatura. Trabalhou como desenhista técnico no Ministério da Guerra, em São Petersburgo. Fez traduções de Balzac e George Sand.
Alugou, em 1844, uma casa em São Petersburgo e dedicou-se à escrita de corpo e alma. Nesse mesmo ano, deixou o exército e começou a escrever sua primeira obra, o romance epistolar Gente Pobre, trabalho que iria fornecer-lhe êxitos da crítica literária, cuja leitura de Bielínski, o mais influente crítico da literatura russa, o fez acreditar ser Dostoiévski "a mais nova revelação do cenário literário do pais."
Em O Diário de um Escritor, recordou que após concluir Gente Pobre deu uma cópia para seu amigo Dmitry Grigorovich, que a entregou ao poeta Nikolai Alekseevich Nekrasov. Com a leitura do manuscrito em voz alta, ambos ficaram extasiados pela percepção social da obra. Às quatro horas da manhã, foram até Dostoiévski para dizer que seu primeiro romance era uma obra-prima. Nekrasov mais tarde entregou a obra a Bielínski. "Um novo Gogol apareceu!", disse Nekrasov. "Pra você, os Gogol nascem como cogumelos!", Bielínski respondeu. Logo depois, porém, o crítico concordaria. Ele estava extasiado com o movimento realista na Europa, e considerou o romance de Dostoiévski como a primeira tentativa do gênero na Rússia.
Saí da casa dele [Bielínski] em estado de êxtase. Parei por um instante na esquina de sua casa, olhei para o céu, para o sol luminoso, para as pessoas que passavam, e compreendi, no mais fundo do meu ser, que aquele tinha sido um momento solene na minha vida, um marco decisivo, que alguma coisa inteiramente nova havia começado.
– Dostoiévski sobre as palavras de Bielínski, em, 'Diário de um Escritor'
O livro foi publicado no ano seguinte, fazendo de Dostoiévski uma celebridade literária aos vinte e quatro anos de idade. Ao mesmo tempo, começou a contrair algumas dívidas e sofrer de uma enfermidade nervosa, frequentemente confundida com sua epilepsia, que começou a se manifestar muitos anos mais tarde. Seus romances seguintes, O Duplo (1846), que retrata uma personalidade cindida, Noites Brancas (1848), que retrata a mentalidade de um sonhador, Niétochka Nezvánova (1849), que jamais foi terminado, e a Inveja do Marido e Esposa de Outro, não tiveram o êxito esperado, e sofreram críticas muito negativas, inclusive de Bielínski, que criticava aquilo que, no futuro, se tornaria a marca principal de Dostoiévski: a psicologia de seus personagens. Nesta época entrou em contato com alguns grupos de socialistas utópicos, que discutiam a liberdade humana.
Exílio na Sibéria
Dostoiévski foi detido e preso em 23 de abril de 1849 por participar de um grupo intelectual liberal chamado Círculo Petrashevski, sob acusação de conspirar contra o Nicolau I da Rússia.[5] Depois das revoluções de 1848, na Europa, Nicolau mostrou-se relutante a qualquer organização clandestina que poderia pôr em risco sua autocracia.
A principal acusação contra Dostoiévski foi por ter lido em público, em duas ocasiões, uma carta aberta de Bielínski, então falecido, ao escritor Nikolai Gogol, em que o escritor é criticado por suas visões políticas e sociais conservadoras.
O Círculo Petrashevsky era dedicado principalmente à discussão das condições de vida na Rússia, centrada nas obras da imensa biblioteca de obras proibidas de Petrashevsky, obras que, segundo os registros da sociedade, Dostoiévski consultou em várias ocasiões. Na verdade, Dostoiévski não ia às reuniões do Círculo há mais de três meses quando foi preso, e paticipava realmente de uma organização radical liderada por Nikolai Spechniev, radical que se tornaria o protótipo para Nikolai Stavróguin, protagonista de Os Demônios. Essa organização, porém, não foi descoberta pelas autoridades e sua existência só veio a público em 1922. Em 23 de abril de 1849, ele e os outros membros do Círculo Petrashevski foram presos. Dostoiévski passou oito meses na Fortaleza de Pedro e Paulo até que, em 22 de dezembro, a sentença de morte por fuzilamento foi anunciada. Em 23 de dezembro, os membros foram levados ao lugar da execução, e três membros do grupo, inclusive o próprio Petrashevski, foram amarrados aos postes em frente ao pelotão. Dostoiévski era um dos próximos, e se lembrou, posteriormente, de ter dividido seu tempo para se despedir dos amigos e refletir sobre sua vida. Quando disse a Nikolai Spechniev, que se encontrava atrás dele, "Nós estaremos com Cristo", o revolucionário respondeu "Um pouco de poeira". Antes da ordem para o fuzilamento, chegou uma ordem do Czar para que a pena fosse comutada para prisão com trabalhos forçados e exílio. Depois os membros souberam que a ordem havia sido assinada há dias, mas que o Czar exigira a falsa execução como uma punição a mais. Dostoiévski recebeu os grilhões e partiu para o exílio na noite de Natal. Todos esses fatos foram contados pelo escritor em uma carta a seu irmão Mikhail Dostoiévski, na qual ele faz várias referências a obra Os Últimos Dias de um Condenado à Morte, de Victor Hugo.
O príncipe Myshkin, de O Idiota, oferece uma descrição sobre essa mesma experiência. Após a simulação da execução, Fiódor passou a apreciar o próprio processo da vida como um dom incomparável e, ao contrário do determinismo e do pensamento materialista, o valor da liberdade, integridade e responsabilidade individual. Anos mais tarde, Dostoiévski descreveu seu sofrimento para seu irmão, dizendo-se um "silenciado em um caixão" e que o local onde estava "deveria ter sido demolido anos atrás".
No verão, confinamento intolerável, no inverno, frio insuportável. Todos os pisos estavam podres. A sujeira no chão tinha uma polegada de espessura; alguém poderia tropeçar e cair… Éramos empilhados como anéis de um barril… Nem sequer havia lugar para caminhar… Era impossível não se comportar como suínos, desde o amanhecer até o pôr-do-sol. Pulgas, piolhos, besouros a celemim.
– Dostoiévski sobre seu local de prisão
Uma das maiores surpresas de Dostoiévski foi descobrir que na prisão existiam as mesmas diferenças sociais que existiam do lado de fora. Dostoiévski conta como os camponeses zombavam dos intelectuais, por sua falta de destreza física nos trabalhos. Quando Dostoiévski tentou participar de um protesto contra a má qualidade da comida, os prisioneiros não aceitaram, dizendo que ele comprava a própria comida. Quando lhes explicou que o fazia por camaradagem, eles ficaram atônitos e perguntaram como um senhor podia ser camarada de um camponês. Essas experiências são contadas em seu livro Recordações da Casa dos Mortos.
Também foi na prisão que Dostoiévski sofreu seu primeiro ataque de epilepsia, doença que o acompanharia pelo resto da vida, e que também atinge vários de seus personagens, como o Príncipe Míchkin (O Idiota), Kiríllov (Os Demônios) e Smerdiákov (Os Irmãos Karamázov). Embora alguns biógrafos insistam que a primeira crise de Dostoiévski aconteceu antes da prisão, as cartas que ele enviou ao irmão deixam bastante claro que ele só começou a apresentar a doença durante sua prisão. Os estudos médicos nunca chegaram a um acordo sobre a epilepsia de Dostoiévski. Freud afirmou que era uma doença histérica, e não epilepsia.
Não só pelas Cartas mas também pelos testemunhos deixados por seus contemporâneos, podemos perceber que Dostoiévski nunca abandonou a religião Ortodoxa, na qual fora criado, ao contrário da lenda que se formou posteriormente. Foi libertado em 1854 e condenado a quatro anos de serviço no Sétimo Batalhão, na fortaleza de Semipalatinsk, no Cazaquistão, além de soldado por tempo indefinido.[5] Apaixonou-se por Maria Dmitriévna Issáieva, mulher de um conhecido. Com a morte do marido e já no próximo ano, em fevereiro de 1857, casaram-se.[ Na noite de núpcias Dostoiévski sofreu uma violenta crise de epilepsia.
Maria Dmitriévna Issáieva já tinha um filho de oito anos do primeiro casamento, Pável Issáiev, frequentemente referido pelo apelido de Pácha na biografia do escritor. Ela sofria de tuberculose, e é aceita como o modelo para Katerina Marmeladova de Crime e Castigo.
Legado e Influência

O russo Alexey Rémizov, durante exílio em Paris, em 1927, escreveu: "A Rússia é Dostoiévski. Rússia não existe sem Dostoiévski." A maioria dos críticos concorda que Dostoiévski, Dante Alighieri, William Shakespeare, Miguel de Cervantes, Johann Wolfgang von Goethe, Luís de Camões, Victor Hugo e outros poucos escolhidos tiveram uma influência decisiva sobre a literatura do século XX, especialmente no existencialismo e expressionismo.
A influência de Dostoiévski é imensa, de Hermann Hesse a Marcel Proust, William Faulkner, Albert Camus, Franz Kafka, Yukio Mishima, Roberto Arlt, Ernesto Sábato e Gabriel García Márquez, para citar alguns autores. Na verdade, nenhum dos grandes escritores do século XX foram alheios ao seu trabalho (com algumas raras exceções, tais como Vladimir Nabokov, Henry James ou D.H. Lawrence). O romancista americano Ernest Hemingway também citou Dostoiévski em uma de suas últimas entrevistas como uma das suas principais influências.
Nietzsche referiu-se a Dostoiévski como "o único psicólogo com que tenho algo a aprender: ele pertence às inesperadas felicidades da minha vida, até mesmo a descoberta Stendhal." Certa vez disse, referindo a Notas do Subsolo: "chorei verdade a partir do sangue". Nietzsche refere-se constantemente a Dostoiévski em suas notas e rascunhos no internato entre 1886 e 1887, além de escrever diversos resumos das obras de Dostoiévski. "Um grande catalisador: Nietzsche e neo-idealismo russo", disse Mihajlo Mihajlov.
Com a publicação de Crime e Castigo em 1866, Fiódor se tornou um dos mais proeminentes autores da Rússia no século XIX, tido como um dos precursores do movimento filosófico conhecido como existencialismo. Em particular, Memórias do Subsolo, publicado pela primeira vez em 1864, tem sido descrito como o trabalho fundador do existencialismo. Para Dostoiévski, a guerra é a revolta do povo contra a ideia de que a razão orienta tudo.

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